TARIFA PROGRESSIVA

Condomínios brigam na Justiça por cálculo de conta d'água no RJ

Fórmula da cobrança usada para aplicação da tarifa progressiva pode quadruplicar valor da fatura
22 de maio 2018 | Atualizado em 12 de julho 2024

Fórmula da cobrança usada para aplicação da tarifa progressiva pode quadruplicar valor da fatura

RIO - A forma de cobrança do consumo de água tem sido uma dor de cabeça para os fluminenses e, há mais de uma década, acaba nos tribunais. O primeiro embate foi contra a cobrança feita a partir da multiplicação do valor mínimo de consumo pelo número de unidades do condomínio. A prática foi considerada abusiva pela Justiça, já que o usuário só deve pagar pelo consumo registrado no hidrômetro.

Ao perder essa batalha, a Cedae adotou o sistema de tarifa progressiva, que consiste no aumento proporcional do valor do metro cúbico de acordo com o consumo — ou seja, quanto maior o consumo, maior o valor do metro cúbico. No entanto, o Judiciário tem dado ganho de causa a síndicos que questionaram o método de aplicação da tarifa, que enquadra o condomínio como se fosse apenas uma unidade residencial. As práticas da concessionária são alvo, inclusive, de investigação do Ministério Público do Rio (MP-RJ).
As reclamações que chegam à Justiça são como a do Edifício Leonam, em Botafogo, que viu a conta saltar de R$ 1.767,99, em setembro de 2017, para R$ 13.183,67 no mês seguinte. O susto veio logo em seguida à obtenção de sentença — após 12 anos de briga judicial — que garantia que a fatura fosse calculada a partir do consumo real e não uma multiplicação da tarifa mínima pelo número de apartamentos, como era feito pela Cedae.
— Nossa vitória durou pouco. Uns dois meses depois da sentença que proibiu o chamado cálculo por economias, recebemos esta conta astronômica. Foi quase um caos nas finanças do prédio, pois o montante acumulado cobrado pela empresa era de R$ 52 mil. A Cedae chegou a nos ameaçar de corte no fornecimento de água — conta o síndico do prédio, Carlos Bisaggio.

tabela

JURISPRUDÊNCIA A FAVOR DE CONDOMÍNIO

Especialista em direito do consumidor, o advogado David Nigri afirma que houve uma cobrança abusiva com a progressividade, pois a concessionária enquadrava o prédio na última faixa da tabela, justo a de maior tarifa, sem levar em conta o fato de haver várias unidades residenciais. O método levou a fatura de outubro a passar dos R$ 13 mil, quando, pela medição do hidrômetro, deveria ter sido de R$ 3.456,99.

— A Cedae calculou a cobrança como se fosse um domicílio, sem considerar que se trata de um prédio de 14 apartamentos. Com isso, o maior volume de água consumido foi faturado na faixa com a alíquota mais alta — explica o advogado, que obteve liminar na Justiça que garante ao condomínio o pagamento em juízo do valor apurado pela medição do hidrômetro.

Segundo Nigri, a Cedae já foi condenada pela Justiça a pagar R$ 250 mil, por cobrança abusiva, ao Condomínio Renania, de 102 apartamentos, no Flamengo.

Diante de tantos imbróglios envolvendo as cobranças da Cedae, o diretor jurídico da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi), Rômulo Cavalcante Mota, escreveu um livro e uma cartilha para ajudar os condomínios a identificarem abusos. Ele reforça que a cobrança de tarifa de água e esgoto, de acordo com os tribunais, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e o decreto estadual 553/76, deve ser feita a partir do consumo medido pelo hidrômetro.

— O consumo supérfluo e o desperdício de recursos (que a tarifa progressiva visa a coibir) apenas podem ser constatados se levarmos em conta o número de unidades do edifício — ressalta Mota.

Assim como o prédio de Botafogo, o Condomínio Sagres, no Centro da cidade, após obter o direito de pagar o consumo medido e ter restituídos os valores pagos a mais, sofreu alteração de sua classificação, de 202 unidades habitacionais para apenas uma, conta Mota. A Cedae recorreu da ação, afirmando que o prédio lhe devia, neste caso, a bagatela de R$ 21 milhões. A situação, no entanto, diz o diretor da Abadi, foi revertida, e o processo se encaminha para a sua conclusão.

Segundo a jurisprudência, destaca o desembargador Werson Rêgo, da 25ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ), para a aplicação correta da tarifa progressiva, o consumo de um edifício deve ser dividido pelo número de unidades, o que resulta no gasto médio por apartamento. É esse consumo que vai determinar em que faixa o condomínio se enquadra. Só então, explica Rêgo, pode-se usar o multiplicador previsto na tabela para calcular a fatura.

— A tarifa progressiva foi configurada para o consumo individual, por isso considerou-se abusivo o enquadramento automático dos condomínios na última faixa. Caracteriza má-fé — diz o desembargador, acrescentando que a jurisprudência é amplamente favorável ao consumidor.

O Procon-RJ defende que, por se tratar de uma cobrança indevida, a concessionária deveria devolver o valor cobrado a mais em dobro, como determina o CDC.

NOVO CÁLCULO SEGUE A JUSTIÇA, DIZ CEDAE

Tanto a chamada cobrança por economia quanto a forma de aplicação da tarifa progressiva pela Cedae são alvos do inquérito civil instaurado pelo MP do Rio, na 26ª Câmara Cível, do TJ-RJ.

— Conforme decisão do Tribunal de Justiça, a aplicação do critério de número de apartamentos é essencial para que o enquadramento na tabela da tarifa progressiva seja lógico e retrate o consumo racional de água no condomínio — diz o promotor Julio Machado, acrescentando que a Cedae, embora já notificada, ainda não se manifestou no inquérito.

A Cedae, por sua vez, afirma que a cobrança por tarifa mínima multiplicada pelo número de unidades — derrubada várias vezes na Justiça — é prevista no decreto 553/76, artigo 98, assim como no artigo 30, IV da lei 11.445/07, do novo Marco Regulatório do Saneamento Básico.

Após o Judiciário vetar essa modalidade de cobrança, a Cedae alega ter sido obrigada a desconsiderar o número de apartamentos dos condomínios para o cálculo da tarifa progressiva. Segundo a concessionária, o uso desse número na conta da cobrança não pode ser feito “apenas nos casos em que o usuário assim pretenda por ser financeiramente vantajoso”.

Considerar o número de unidades para aplicação da tarifa progressiva, na avaliação da Cedae, seria “transferir para o Poder Judiciário uma competência constitucional exclusiva do Poder Legislativo, de criar lei nova, com requisitos e formas de cobrança que não encontram previsão na legislação vigente”.

— O cálculo feito levando em conta que se trata de uma única residência, para o cumprimento das decisões judiciais, não representa necessariamente aumento de valor da conta — afirma Rafael Rollim, diretor jurídico da Cedae, referindo-se à forma de aplicação de enquadramento para a cobrança por tarifa progressiva.

 

Matéria originalmente publicada em O Globo

 

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