Olhando de cima

Esse dia foi incrível. Não sei o porquê, mas eu lembrei dos para-raios das torres, e decidi subir sozinha pra ver se não havia arrebentado o cabo devido ao vento da última semana, afinal eu já acompanhei o zelador na vistoria e sei como é. São 13 andares, mais dois lances de escada e aí tem uma porta que sai para a área aberta no topo da torre. 
04 de setembro 2020 | Atualizado em 12 de julho 2024

Esse dia foi incrível. Não sei o porquê, mas eu lembrei dos para-raios das torres, e decidi subir sozinha pra ver se não havia arrebentado o cabo devido ao vento da última semana, afinal eu já acompanhei o zelador na vistoria e sei como é. São 13 andares, mais dois lances de escada e aí tem uma porta que sai para a área aberta no topo da torre. 

Eu sempre me impressiono com a vista lá de cima. O dia estava lindo, o céu azul de brigadeiro, o vento leve e agradável. De repente a porta bateu atrás de mim e para minha surpresa ficou emperrada. Não abria de jeito nenhum. Peguei o celular no bolso para pedir pra alguém vir me resgatar abrindo pelo lado dentro. Olhei com tristeza que a bateria estava em dois por cento. Abri o whatsApp e busquei o contato do Jurandir. Eu estava no meio da mensagem quando o celular apagou de vez.

Fui até a beirada e olhei pra baixo. Como era lindo nosso condomínio daquele ângulo. O desenho dos canteiros, o parquinho, a piscina, a portaria. Tudo conservava uma sutil harmonia. No entorno, a cidade que abrigava prédios novos e antigos, construções, praças, ruas arborizadas. Que privilégio viver numa cidade tão bonita. Eu tentava manter a calma, pois, por mais bonito que fosse, eu precisava sair dali. Olhei para a outra torre na esperança de que alguém me visse e não vi uma viva alma.

Me sentei encolhida contra a parede e fiquei esperando que alguém sentisse minha falta e fosse me procurar, pois eu tinha avisado que subiria na torre. Devo ter ficado mais ou menos uma hora lá. Durante esse tempo, naquela solidão, comecei a pensar no condomínio, nas pessoas, no nosso modo de vida moderno onde temos vizinhos tão próximos e ao mesmo tempo tão distantes. Pensei na harmonia do cenário e nos atritos gerados pelas pessoas. Me dei conta que tudo é planejado para dar conforto e segurança para as pessoas, mas essas mesmas pessoas acabam criando ruídos de comunicação, inventam perseguições, espalham fofocas, reclamam de tudo e de todos e nem se dão conta do desconforto que é criado por elas mesmas.

As confusões e querelas que me vieram à mente, não foram só as que enfrentamos aqui, mas em todos os condomínios, em associações, clubes, igrejas, organizações. Quando as pessoas perceberem que a paz e o equilíbrio social só depende delas e que o próximo tem as mesmas angústias, tem dor, tem sonhos, tem os mesmos medos, sentimentos e emoções e que somos todos mais parecidos entre nós do que podemos supor.

De repente a porta deu um solavanco e abriu. Era o Jurandir, nosso tão prestativo zelador. Como eu previ, ele sentiu minha falta e teve a feliz ideia de me procurar nas antenas de para-raios.

Desse dia ficou a lição de nunca ir totalmente sozinha em lugares isolados e perigosos. De sempre avisar alguém de onde estou indo, de conferir a bateria do celular mais vezes e com mais atenção, e principalmente a lição mais importante: não adianta tratarmos as questões das pessoas como se fossem meras chatices. Senti que preciso ser ainda mais paciente com elas, ainda mais atenciosa e ajudar cada vez mais, pois cada um está tão envolvido nos seus próprios problemas que não conseguem olhar ao redor e perceber que tudo é tão mais simples e belo.

Martinha Silva é escritora, graduada em Administração, especialista em Gestão de Pessoas e gestora condominial em Itajaí.

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