Garagens: Um espaço valorizado e alvo de intrigas

Se há três décadas a garagem não era tão valorizada nos condomínios e os prédios normalmente contavam com menos vagas do que apartamentos, hoje cada família tende a ter mais de um carro e a área se tornou concorrida. Com a falta de espaço, atualmente os estacionamentos são um dos principais geradores de problemas em condomínios.
Carros que trancam a saída de outro e invasão de veículos nas áreas comuns são alguns dos transtornos. Um dos pontos polêmicos, a venda e aluguel de vagas para não moradores, sensibilizou os senadores a aprovarem um projeto de lei que proíbe a negociação para pessoas externas do condomínio, a menos que a convenção autorize. A proposta foi aprovada no dia 4 de agosto pela CCJ (Comissão de Constituição,Justiça e Cidadania) do Senado. O texto seguiu para a análise da Câmara dos Deputados. De autoria do parlamentar Marcelo Crivella (PRB-RJ), o projeto de lei 219/03 altera o Código Civil para excluir os abrigos para veículos das partes do imóvel classificadas como de uso independente, passíveis de serem alienadas livremente pelo proprietário. De acordo com o atual Código Civil, para o condomínio evitar a venda e aluguel de vagas de garagem para estranhos, a proibição deve constar na convenção.
No condomínio Atlântico Shopping, em Balneário Camboriú, o síndico, Mário Amaral de Andrade, evitou que um dos proprietários comercializasse uma das vagas de garagem a uma pessoa que não era do prédio, pois a regra do condomínio vetava. “Aqui as vagas são apenas para os condôminos da parte residencial. O condômino tinha um apartamento e duas vagas de garagem, uma delas com escritura individual. Ele vendeu para um estranho a vaga e eu fiz desfazer a negociação”, conta. Segundo o síndico, a medida visa garantir a segurança dos moradores. O projeto de lei inverte a situação. Com a proposta, a proibição da venda e aluguel de garagem é a regra geral. A comercialização só pode ser feita com a autorização na convenção. Em seu parecer favorável ao projeto, o relator, senador Pedro Simon (PMDB-RS), explica que a venda ou aluguel de uma unidade de garagem a pessoa estranha ao condomínio é motivo de vulnerabilidade para todo o grupo.
Segundo o advogado Alberto Calgaro, a maioria dos condomínios residenciais já aponta em suas convenções a proibição da venda e aluguel a estranhos. A maior dificuldade virá para os condomínios comerciais, já que as regras perante o Código Civil são as mesmas em qualquer tipo de condomínio.
“Nos comerciais pode causar transtornos, já que as unidades normalmente são desvinculadas das vagas de garagens. No Ceisa Center (Centro de Florianópolis), por exemplo, existem proprietários de vagas que não contam com salas”, observa. O advogado explica que, se a lei for aprovada, nesses casos o condomínio terá que realizar uma assembleia para incluir a autorização na convenção. “O difícil é reunir a assinatura de dois terços dos condôminos para aprovar a modificação”, salienta.
Mais carros do que vagas
O aumento do número de carros, uma questão nacional incentivada pelas facilidades de aquisição com o barateamento do bem e financiamentos a longos prazos, tornou as garagens pequenas para tantos veículos. Hoje Florianópolis tem um carro para cada dois habitantes, segundo dados do Ipuf (Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis). Atualmente é comum as construtoras projetarem duas vagas de garagem por unidade residencial. Mas a maioria dos condomínios erguidos entre as décadas de 80 e 90 contam com menos vagas do que apartamentos. É o caso do condomínio Residencial São Francisco, no Saco dos Limões. Construído em 1983, tem 73 unidades e somente 56 vagas de garagem, mais 22 no estacionamento rotativo.
O síndico Rogério Santos (foto), que está há pouco mais de um mês na função, tem enfrentado dificuldade com a organização dos carros. “Nem todos os apartamentos são proprietários de garagens. Um condômino me perguntou por que ele paga mais caro e tem que colocar o carro numa vaga em que o veículo do vizinho tranca a sua saída”, lamenta Santos. O síndico diz que apesar do regimento interno prever somente a entrada de moradores, não se respeita a regra e os visitantes põem seus automóveis no estacionamento rotativo.
“Com isso, muitos moradores acabam tendo de estacionar seus carros na rua. Já mandei advertência aos proprietários que deixam seus amigos entrar com veículos. Agora estamos fazendo o rateio para contratar um porteiro para tentar solucionar o problema”, relata. O advogado Alberto Calgaro recomenda a advertência e aplicação de multas, se for necessário, para controlar os abusos. Calgaro destaca que quando não cabem todos os carros nas garagens uma saída é fazer o rodízio das vagas. “Se sorteia os dias da semana em que os veículos de cada unidade podem ficar no estacionamento. Mesmo assim pode causar incômodos para o síndico, pois sempre terão algumas pessoas que vão precisar estacionar seus carros fora do condomínio”, alerta. Até mesmo nos condomínios em que há pelo menos uma vaga por apartamento pode ocorrer conflitos por causa da garagem. Existem aqueles proprietários que tentam colocar dois carros em uma mesma vaga ou colocar um automóvel e uma moto ultrapassando limite da vaga , adentrando a área comum. “Se os dois carros couberem na vaga, pela lei pode estacionar, desde que a assembleia permita. O problema é ficar um pouco fora da sua área e atrapalhar a circulação dos outros carros e das pessoas”, acrescenta.
Soluções para minimizar a falta de espaço
A falta de vagas de garagem tornou-se um problema social. A doutora em engenharia de transporte e professora da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Lenise Grando Goldner, diz que a falta de área para deixar os carros em condomínios faz com que os moradores estacionam nas calçadas e vias públicas atrapalhando o tráfego de carros. “Nos condomínios novos, as construtoras já projetam duas a três vagas por apartamento. O problema está nos antigos, que não têm espaço suficiente”, explica.
Lenise aponta que em países desenvolvidos, além de existir o investimento do poder público para incentivar o uso do transporte público evitando o crescimento do número de carros, é comum a construção de garagens subterrâneas embaixo de praças e vias onde são alugadas vagas. A medida minimiza o problema. O professor universitário e perito judicial, engenheiro civil Fernando Ribeiro, acrescenta que há soluções eficientes para ampliar as garagens, porém mais onerosas, como duplicadores de garagens, construção de subsolos e piso intermediários. “São incrementos que geram custos e precisam de uma análise rigorosa de cunho estrutural, mecânica de solos e uma viabilidade técnica abrangente. Uma apreciação em curto prazo seria uma nova divisão das vagas, com um planejamento de espaços e remanejamentos pré-elaborados ou utilização de manobrista”, explica.
Manutenção periódica
A estrutura das garagens precisa de manutenção, principalmente contra mofo e infiltrações. Segundo o arquiteto especialista em patologia da construção, Armando Felipe da Silva, a lavação constante do piso é um dos principais causadores de infiltração na base dos pilares, que formam bolhas de ar descascando a tinta. A umidade pode penetrar no reboco e, se as camadas de proteção das armaduras forem finas, pode iniciar um processo de corrosão. Varrer e passar pano na limpeza diária é o ideal, mas pelo menos uma vez por ano é importante lavar toda a garagem, “teto e paredes com jato de água e uma solução com água sanitária para retirar fungos e mofo, que são causados pela falta de circulação de ar”, explica Silva.
Outro problema comum em garagens são os alagamentos. Como na Grande Florianópolis e Balneário Camboriú chove muito, o sistema pluvial pode ficar obstruído e as bombas da água instaladas não darem conta da vazão. “É importante ter um sistema com boia de alarme, que ao ultrapassar o nível estipulado dispara. Também é bom ter uma bomba mecânica à gasolina de reserva para acionar quando as outras não dão conta”, recomenda. Segundo o engenheiro civil Fernando Ribeiro, o síndico ainda deve se atentar para a questão da acessibilidade das pessoas com deficiência física e idosos. O artigo 18 do Código Civil determina que a “construção de edificações de uso privado multifamiliar e a ampliação ou reforma de edificações de uso coletivo devem atender aos preceitos da acessibilidade na interligação de todas as partes de uso comum ou abertas ao público, conforme os padrões das normas técnicas de acessibilidade da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas)”. Ribeiro ressalta que “em prédios já executados e que não foram abrangidos por estas normas, há possibilidade de melhorar-se a acessibilidade, dependendo das condições construtivas, as quais devem ser analisadas por profissional competente”.
Entre as opções estão a construção de rampas, porém precisa de espaço. Uma solução que ocupa uma área menor é a plataforma elevatória.
Furtos: de quem é a responsabilidade
O advogado Alberto Calgaro observa que outro problema que traz dor de cabeça para o síndico são os furtos de objetos em veículos e dos próprios carros. Ainda não existe um consenso na Jurisprudência se a responsabilidade é do condomínio em ressarcir ou do dono do automóvel. “Existem vários entendimentos, mas a priori, se o condomínio contar com câmeras de monitoramento e vigilantes, assume a responsabilidade”, explica. As seguradoras oferecem como opção da apólice do condomínio o seguro contra danos causados aos veículos sob responsabilidade do prédio. Geralmente asseguram desde colisões dentro do espaço do condomínio quando dirigido por manobrista, além de roubo e incêndio.
Garagens mal planejadas
Entrada estreita, espaço apertado, rampas inclinadas que dificultam a visão e número insuficiente de vagas são problemas mui to comuns nos edifícios. A conseqüência são erros estruturais e desconforto aos usuários. “Ocorrem inúmeros problemas nas garagens por ser praticamente a última etapa pensada num empreendimento”, analisa o engenheiro civil Fernando Ribeiro. Segundo o especialista, o projeto da garagem deve oferecer um bom fluxo viário, conseguido por meio de análise estatística. “A partir desse estudo, são colocados cruzamentos em pontos estratégicos e criadas saídas alternativas para evitar congestionamentos,tendo em v i s ta os reflexos nas vias de acesso à garagem”, ressalta. O engenheiro acrescenta ainda que as vagas devem ter 2,4 por 5 metros para o usuário abrir a porta e não bater no carro ao lado. A professora de tráfego da UFSC, Lenise Grando Goldner, critica que nos projetos e execuções não são aproveitadas as normas de engenharia de tráfego. “Não são respeitados os gabaritos para calcular as curvas que os carros têm de fazer para entrar e sair das garagens. Muitas construtoras tentam aproveitar ao máximo o espaço e acabam não dimensionando essas necessidades”, salienta.
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