SEGURANÇA

Grades em condomínios suscitam debates sobre sua real utilidade

Para arquitetos, equipamentos não garantem segurança e prejudicam imagem da cidade
31 de julho 2017 | Atualizado em 12 de julho 2024

Em vias como a Rua Soares Cabral, em Laranjeiras, o gradeamento virou padrão - Márcia Foletto / Agência O Globo

 

Para arquitetos, equipamentos não garantem segurança e prejudicam imagem da cidade

Amplamente disseminada na paisagem urbana carioca, a utilização de grades diante das portarias dos condomínios passa longe de ser um consenso entre arquitetos, moradores e especialistas em segurança. Mesmo com a nova onda de criminalidade e insegurança que volta a assolar a população, a eficiência desses equipamentos e os impactos sobre a imagem e a fluidez da cidade ainda são colocados em xeque.

O arquiteto e professor do curso de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Luiz Neves investigou essa história a fundo em uma de suas pesquisas acadêmicas. Ele fez uma comparação entre prédios com e sem grades na região da Glória, e se surpreendeu com o resultado. Entre 70 condomínios livres dessas estruturas, não havia qualquer ocorrência de assaltos. Já nos endereços cercados, várias invasões haviam sido registradas.

Para Neves, quando o sujeito está disposto a invadir um prédio, ele consegue ser muito mais eficiente do que esse tipo de barreira. E, na opinião dele, além de não resolverem o problema, as estruturas prejudicam a imagem da cidade.

— São tantos prédios cercados dessa maneira, que acabam reforçando todos os estereótipos de que somos uma cidade extremamente violenta — pondera ele, dizendo que isso dá uma noção exagerada em relação à realidade.

Neves também questiona como o paredão de barras que vem se formando nas ruas compromete a própria segurança de quem caminha pelas calçadas.

— Se você está andando por uma via dessas, não tem para onde correr nem como pedir socorro numa situação de emergência, já que está isolado do lado de fora — reflete ele, ressaltando como isso fica ainda mais grave em ruas pouco movimentadas e mal iluminadas.

MUITO ALÉM DA VIOLÊNCIA

Em suas pesquisas sobre o tema, Neves notou que, logo após a Certidão de Habite-se ser dada, os moradores começam a fazer reuniões de condomínio e os pedidos de instalação de grades são uma das primeiras reivindicações. Ao lançar um olhar mais clínico sobre os argumentos apresentados, ele observou que a questão não se restringe à violência.

— Como dizia (Zygmunt) Bauman, a miséria incomoda demais o ser humano. E muitas pessoas estão preocupadas com a possibilidade de um mendigo se deitar nos seus jardins. O pensamento é: “a grade isola o meu bem de quem está passando na rua e não tem nada a ver comigo” — comenta ele.

Foi em meados da década de 1980 que esse recurso começou a ganhar as ruas do Rio. Os índices de violência só cresciam e, quando alguns moradores começaram a fazer as instalações, a novidade virou a mais nova “coqueluche” carioca, sem nunca cair em desuso.

‘Como dizia Bauman, a miséria incomoda demais o ser humano. E muitas pessoas estão preocupadas com a possibilidade de um mendigo se deitar nos seus jardins.’
- LUIZ NEVES
Arquiteto e professor do curso de Belas Artes da UFRJ
O arquiteto Mário Saleiro Filho, professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), lamenta esse fenômeno. É que isso atingiu em cheio a arquitetura modernista da cidade com seus prédios construídos sobre pilotis, muitos dos quais faziam a ligação entre diferentes ruas.

— Na Rua General Glicério, onde passei a minha infância em Laranjeiras, havia pátios e jardins entre um prédio e outro. Era convidativo para a passagem e para as brincadeiras de criança. Mas aí começaram a colocar grades entre um edifício e outro e isso acabou — relembra ele.

Segundo Saleiro, alguns endereços que ainda resistem à essa prática mostram como é importante garantir esse “respiro” na paisagem.

— Da Rua Santa Clara para o Bairro Peixoto tem um prédio que resistiu a essa cultura. É muito agradável passar de um lugar para o outro sem barreiras, não precisando dar a volta no quarteirão — ilustra ele.


Quando vai orientar os alunos na faculdade, ele é categórico ao afirmar que as entradas devem ser fechadas com arquitetura, caso haja esse desejo. Para Saleiro, as grades causam uma sensação ruim nos próprios moradores.

— A composição dessa estrutura é algo que limita e remete ao simbólico da prisão — reflete ele. — Inicialmente, passa uma segurança. Mas, ao mesmo tempo, sabemos que não é uma garantia... Na verdade, estamos reclusos como um prisioneiro.

VIDROS COMO RECURSO

Talvez movidos por este incômodo, muitos condomínios têm optado por versões de vidro. Mas até este recurso merece ser debatido com critério.

— Por ser uma superfície transparente e incolor, na grande maioria dos casos, conseguimos contemplar a rua, não nos remetendo à imagem do “através das grades”. Entretanto, quanto à durabilidade, o material não resiste a uma pancada. Logo, há uma pseudo-segurança com permeabilidade visual — problematiza ele. — Além disso, a transparência faz com que muitos pássaros morram ao se chocarem com a superfície durante seus voos

Se o condomínio opta pelo cercamento, o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio (CAU-RJ), Jerônimo de Moraes, lembra que há normas a serem respeitadas. Segundo ele, muitos prédios têm um recuo que garante espaço para a instalação. Fora isso, as grades não podem atrapalhar a passagem de pedestres.

— Toda calçada tem uma área não edificante que precisa ser respeitada. Quando há invasão, é provável que haja irregularidade — comenta ele, dizendo que isso deve ser verificado caso a caso.

Apesar de tantos questionamentos acerca da eficiência das grades, o professor e pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais Bráulio Figueiredo afirma que estes equipamentos podem ajudar quanto à segurança de um patrimônio. Para isso, as avaliações sobre a instalação devem ser bem contextualizadas.

— A criminalidade tem padrões específicos, conforme a região da cidade. Se o prédio está numa área mais vulnerável, isso pode ser importante para reduzir as oportunidades de crime. Junto com outros dispositivos, como circuito de câmeras, a grade vira mais uma barreira para dificultar o acesso — diz ele.

 Grades e arames cercam prédios na Rua Paissandu

Grades e arames cercam prédios na Rua Paissandu - Márcia Foletto / Agência O Globo

 

Para Figueiredo, é importante lembrar que o criminoso é racional. Na hora de escolher um alvo, ele leva em consideração as facilidades e as dificuldades, como equipamentos de segurança e rota de fuga. Logo, se tiver que escolher entre um prédio com grades e outro sem, é mais provável que fique com o segundo.

— Mas a grade por si só não é um elemento que justifica a invasão ou a falta de ocorrência — ressalva ele. — Tem a segurança da rua, a iluminação pública, a frequência de pedestres...

Figueiredo cita estudos que identificaram certa padronização nos arrombamentos. De acordo com ele, após um roubo, é mais comum que as próximas invasões ocorram na vizinhança, num raio de cem metros para a direita e a mesma distância para a esquerda. É que o ladrão já conhece o perfil da área e o tipo de bens que encontra ali.

— Quando se escolhe um lugar para construir, é possível saber todas as características criminais daquela região. Numa área mais segura, a grade deixa de ser essencial — afirma ele. — Por outro lado, numa rua muito residencial, onde as pessoas saem de dia para trabalhar e voltam à noite, a vulnerabilidade pode ser maior.

CONFORME A ÁREA

No condomínio do qual a moradora Cléia Pietri é síndica, a instalação de grades já foi discutida em assembleia. Na ocasião, decidiu-se pela não utilização.

— Entendemos que é uma segurança ilusória. Sabemos que muitos condomínios de luxo, o quais têm muito mais do que grades, acabam sendo roubados — argumenta ela. — Às vezes, acho que esse cercamento ostensivo chama até mais atenção.

Para ela, as pessoas colocam tanta expectativa neste dispositivo, que acabam se esquecendo do foco do problema:

— É preciso se preocupar em cobrar mais segurança na cidade. Caso contrário, os moradores é que terão a sensação de estarem numa prisão.

 

Matéria originalmente publicada em O Globo 

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