COVID-19

Síndicos, gigantes na pandemia

Enquanto por aqui estávamos em pleno verão, preocupados apenas com as viagens de férias e com os preparativos do Carnaval, na China os órgãos de saúde surpreenderam o mundo ao mostrar as imagens da construção extremamente rápida de dois novos hospitais para atender os pacientes infectados por um novo vírus. Depois disso, o que parecia uma realidade tão distante chegou mais rápido do que se imaginava e em menos de três meses já batíamos a marca de mais de 37 mil mortes pela Covid-19.
25 de novembro 2020 | Atualizado em 12 de julho 2024

Foto: Sergio Souza/Unsplash

Enquanto por aqui estávamos em pleno verão, preocupados apenas com as viagens de férias e com os preparativos do Carnaval, na China os órgãos de saúde surpreenderam o mundo ao mostrar as imagens da construção extremamente rápida de dois novos hospitais para atender os pacientes infectados por um novo vírus. Depois disso, o que parecia uma realidade tão distante chegou mais rápido do que se imaginava e em menos de três meses já batíamos a marca de mais de 37 mil mortes pela Covid-19.

No Brasil, as primeiras ações ligadas à pandemia começaram em fevereiro, quando a força aérea nacional foi até Wuhan, na China, repatriar brasileiros que viviam por lá. Depois disso, em 15 dias o país confirmou o seu primeiro caso ativo, tendo como plano de fundo uma Europa entrando em colapso com centenas de pessoas contaminadas e mortes decorrentes da doença. Em 11 de março a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou oficialmente a pandemia e dois dias depois o Ministério da Saúde divulgou as primeiras normas de isolamento que deveriam ser seguidas por pacientes com suspeita ou confirmação de infecção no território nacional.

Sem qualquer controle da situação, no dia 20 de março foi confirmada a existência da transmissão comunitária e começava aí então a adoção de medidas que promovessem o distanciamento social e evitassem aglomerações. Em Santa Catarina, uma semana depois já era registrada a primeira morte pelo vírus e o Estado operava em sistema de lockdown, com apenas os serviços essenciais abertos, como supermercados, farmácias e postos de combustíveis.

Escrevendo páginas de uma história nunca antes imaginada, muitos governantes perderam o controle de suas gestões e os reflexos disso ainda estão sendo contabilizados. Prefeitos e governadores, por exemplo, enfrentam processos de afastamento de seus cargos, e tantos outros agentes públicos estão sendo investigados por suspeita de desvio de verba pública. Um cenário completamente oposto ao que foi presenciado nos condomínios brasileiros, que tiveram no pulso de seus administradores a força necessária para enfrentar com assertividade todos os desafios impostos por este ano atípico.

 

Márcio Rachkorsky, advogado especialista em condomínios

 

Para o advogado especialista em condomínios, comentarista da TV Globo e da rádio CBN de São Paulo, Márcio Rachkorsky, traçando um paralelo entre os gestores condominiais e os públicos, os síndicos tiveram um papel ainda mais delicado diante de uma situação em que eles não tinham preparo e nem legislação que os amparasse, tendo como desafio inicial lidarem com moradores negacionistas. “Diferente dos gestores públicos que tinham mais autoridade em mãos, os síndicos foram confrontados por moradores e tiveram sim que tomar medidas impopulares de combate ao vírus de uma forma, muitas vezes, mais complexa. Além de cuidar do seu trabalho, da sua família e do condomínio, eles ainda tinham que achar uma justificativa que acalmasse os moradores que ficavam contestando decisões e questionando se elas estavam previstas na convenção ou na lei”, pontua.

Mas, apesar da complexidade do momento, Rachkorsky avalia que o resultado final foi muito positivo. Ainda mais se levarmos em consideração que, até mesmo os moradores que não davam muito valor para os seus gestores com a pandemia passaram a entender a importância de se ter uma boa administração. “O trabalho dos síndicos ao longo da pandemia foi espetacular e a frase que mais usei nesse período foi que eles tiveram que trocar o pneu do carro com ele andando. Ninguém estava preparado para isso ou sabia como lidar com a situação, mas eles funcionaram como verdadeiros agentes privados assemelhados aos públicos, por isso o seu trabalho serve de exemplo”, avalia.

O especialista lembra que enquanto muitos políticos perderam tempo se atacando, os síndicos não entraram nessa onda e foram pragmáticos ao fazer o que tinha que ser feito. “Eles interditaram as áreas comuns, colocaram em atividade todas as medidas de segurança de maneira rápida e efetiva. No geral os síndicos conseguiram levar tranquilidade e segurança para os moradores de condomínios. Foi muito bacana de ver, ainda mais porque ficou extremamente clara para a sociedade a importância do papel desse líder”, afirma Rachkorsky.

Advogado Zulmar Koerich

Já o advogado Zulmar Koerich, também especialista em questões condominiais, destaca que dentro das atribuições dos síndicos pesou, especialmente, a insegurança jurídica. “As determinações municipais, estaduais e federais, não poucas vezes, foram conflitantes, deixando os condomínios incertos sobre quais ordens seguir. Além disso, esses decretos, não raras vezes, eram omissos com relação às situações específicas dos prédios e nem davam tempo hábil para os gestores aplicarem as novas medidas. Praticamente todas as semanas os documentos eram atualizados, ora endurecendo as normas, ora flexibilizando”, diz. Fato que, segundo ele, reforçou a importância da assessoria jurídica na interpretação e orientação, para que os gestores pudessem agir com maior segurança. Ainda mais que as medidas interferiam justamente em questões fundamentais, como a liberdade individual e o direito de propriedade dos condôminos.

Alguns desafios

No desenrolar da pandemia o síndico foi obrigado a lidar com questões ainda mais desafiadoras como: flexibilização parcial do uso das áreas comuns, em que o ponto central estava em como fazer o uso seguro da academia, das piscinas e demais áreas de uso coletivo; treinar o quadro de colaboradores para que eles pudessem ficar preservados e cooperar com a segurança de todos; e cuidar das contas do prédio, sendo que existia um temor de aumento da inadimplência.

Mas o mais difícil, na opinião de Rachkorsky, foi acomodar os interesses de quem tinha que trabalhar em casa, e não abria mão do silêncio, com quem queria tocar suas obras de reformas. “A partir de um determinado momento as obras foram liberadas, mas mesmo assim as pessoas continuaram trabalhando de casa. Com isso, o síndico tinha que enfrentar reclamação dos dois lados. Do dono da obra, que quer fazer o serviço em horário normal, e dos moradores, que querem o sossego preservado porque estão estudando ou trabalhando em casa”, destaca.

Ideia reforçada por Koerich, que apontou o gerenciamento dos ânimos com uma das tarefas mais difíceis durante a pandemia, tendo sido necessário buscar o equilíbrio entre aqueles condôminos mais alarmados com relação à doença e aqueles que queriam usufruir de maior liberdade, discordando de eventuais restrições. “Uma dúvida que imperou entre os síndicos era se eles poderiam criar, sem passar por assembleia, proibições que não estão previstas no regimento interno ou na convenção. E a resposta era simples: sim, amparado pelo art. 1348, II do Código Civil, pelo qual o gestor pode editar atos normativos administrativos em observância às regras relacionadas à saúde pública”, explica.

Outro ponto que segundo ele merece destaque foi a incorporação das assembleias virtuais, autorizadas pela Lei n. 14010/2020, que tirou muitos gestores da zona de conforto. Principalmente porque nem todos os condomínios tinham ferramentas para implantar reuniões digitais, seja por questões técnicas, ou pelo perfil de seus condôminos. O desafio aqui estava justamente em garantir a possibilidade efetiva de participação de todos, até mesmo daqueles menos acostumados com o mínimo de tecnologia.

Lições para um pós-pandemia

Como ensinamento de tudo isso, os especialistas avaliam que um dos principais pontos que fica é a valorização das engrenagens que compõem o condomínio. E, além disso, a importância de conversar com os moradores para entender o anseio das pessoas e assim poder tomar uma decisão mais alinhada com a maioria. Vislumbrando um cenário pós-pandemia, Rachkorsky destaca que o síndico, além de ser um bom gestor na parte financeira, operacional e jurídica, também deverá atuar como um pacificador social. Ou seja, alguém que aproxima as pessoas, que converge interesses e que passa tranquilidade para os moradores, sobretudo mostrando que o resultado positivo depende de um trabalho em equipe e multidisciplinar.

Já Koerich lembra da solidariedade e empatia demonstradas por muitos síndicos durante todo o período e que merecem seguir no pós-pandemia. “Ao avistarem uma crise econômica que poderia atingir muitos condôminos, os gestores suspenderam a cobrança de rateios de obras e serviços e em alguns casos até mesmo o fundo de reservas. Temos muitos exemplos também que se colocaram à disposição para fazer compras de mercado e medicamentos para aqueles que pertencem ao grupo de risco”, destaca.

 

Vera Lucia Dagnoni Notari, síndica em Balneário Camboriú: doação de sete mil máscaras para a população

 

Esse foi o caso da síndica profissional Vera Lucia Dagnoni Notari, em Balneário Camboriú, que aproveitou o isolamento social para confeccionar máscaras e ajudar ao próximo. “Vendo a necessidade de todos, comecei pensando apenas em doar para os amigos. Mas conforme o tempo foi passando, vi que tinha que fazer algo além. Por isso, resolvi colocar as máscaras na frente da minha casa pra qualquer pessoa pegar e também fiz pacotes para quem quisesse vender e ganhar uma renda extra. E assim foram mais de sete mil máscaras doadas ao longo destes meses”, relata.

Pedagoga de formação e costureira de profissão, Vera há 13 anos também atua como gestora condominial. À frente do Residencial Nidia, ela diz não ter enfrentando muitas dificuldades, pois contou com o apoio de todos os moradores e não foi preciso convocar assembleia, pois a anual já havia sido realizada em fevereiro. A ação com as máscaras também envolveu outros condomínios da região que foram beneficiados com as doações e seus síndicos puderam compartilhar com os condôminos.

Visita do prefeito

Outro exemplo positivo vem do Residencial Flamboyant, no Itacorubi, em Florianópolis. À frente da administração do empreendimento há três anos, com 144 unidades sob sua responsabilidade, a síndica Jerusa Vieira Martinez teve que adotar uma série de cuidados e rotinas de higienização das áreas de grande circulação para evitar possíveis contágios. Entre os principais desafios enfrentados, ela destaca as restrições adotadas para evitar aglomeração nas áreas comuns do condomínio, uma vez que os condôminos utilizam muito os espaços de convivência para encontros familiares.

 

Jerusa Vieira Martinez, síndica do Residencial Flamboyant: compromisso com a segurança sanitária das 144 unidades sob sua responsabilidade

 

Fora isso, desde o início do ano o condomínio passou a utilizar um aplicativo para melhorar a comunicação da administração com os moradores, até mesmo com aqueles proprietários que não residem no imóvel. Com isso, todos ficaram sempre atualizados sobre os cuidados durante a pandemia e também puderam compartilhar com os seus vizinhos pela plataforma a oferta de serviços, opiniões, registrar reclamações ou sugestões. Foram tantas iniciativas que chamou a atenção do prefeito da Capital, Gean Loureiro, que no início de novembro visitou o espaço para conferir de perto o trabalho realizado pela síndica em prol da segurança coletiva. Para ele, muito mais do que ter a responsabilidade da gestão do condomínio, os síndicos têm uma responsabilidade social.

“A prefeitura tem buscado estar cada vez mais próxima desse gestor, já que essa interlocução permite que as informações cheguem de maneira clara e direta para as pessoas. É importante termos a certeza que o trabalho em conjunto faz com que todos ganhem. E na pandemia isso acabou sendo ainda mais importante, pois são os síndicos que estão nessa linha de frente, responsáveis por espaços que podem se tornar facilmente um local de ampla contaminação, dada a alta rotatividade de pessoas. Conversando com centenas de síndicos, estamos conversando com milhares de condôminos e esse mecanismo profissional e qualificado permite que no dia a dia ele possa repassar todas essas informações e tenhamos mais controle na cidade”, avalia Loureiro.

Música para os moradores

Já no condomínio Mirante Quatro Estações, no bairro Serraria, em São José, além de ser um dos primeiros a colocar em ação os cuidados obrigatórios, o síndico Dalmo Mayer Tibincoski também apostou no poder da música para gerar uma sensação de bem-estar entre os moradores em isolamento social. “Nos dois primeiros meses de pandemia, aos sábados, dois moradores que são músicos fizeram apresentações das suas sacadas. E, na véspera do dia das mães um amigo que é saxofonista em Brusque, Fabio Schlosser, veio até o nosso espaço e tocou diversas músicas em homenagem às mães”, relata.

Mirante Quatro Estações foi um dos primeiros condomínios a colocar em ação os cuidados sanitários para conter a pandemia

Exemplo de empatia, o gestor adaptou a sua rotina às exigências impostas pela pandemia, sendo que o grande desafio foi manter todos os serviços básicos com segurança para os moradores e funcionários. Para preservar a saúde de 1.180 condôminos, ele implementou ações diferenciadas como a vacinação contra gripe de idosos em parceria com a Prefeitura, higienização noturna com ozônio em todos os ambientes de uso coletivo e colocação de pias com água e sabão nos acessos pelas garagens, para que moradores e prestadores de serviço possam higienizar suas mãos sempre que necessário.

E não parou por aí, para os infectados pela Covid-19 e que estavam em quarentena, o condomínio deu apoio no recolhimento do lixo, entrega de comida, os vizinhos levaram os pets para passear e também ajudaram com as compras de supermercado. A corrente do bem foi tão presente que os próprios moradores organizaram uma campanha chamada Páscoa Solidária, em que foram arrecadadas cestas básicas para as famílias dos funcionários e também para pessoas carentes de fora do condomínio.

“Este foi um ano de muito aprendizado e adaptações. Tivemos que quebrar paradigmas, ser flexíveis, ponderados e ter muita paciência e resiliência. A cada semana reavaliamos as alterações nos decretos e ajustamos os procedimentos conforme a nossa necessidade. Entendemos que fechar tudo era o mais fácil, mas não a melhor opção, por isso flexibilizamos sem desrespeitar as normas. Se todos nós moradores seguirmos as regras, respeitarmos nossos vizinhos e tivermos um pouco de tolerância, conseguiremos ter harmonia no condomínio com ou sem pandemia”, avalia Tibincoski.

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